plenilúnio de Magustos

Com a escusa desta lua cheia de Magustos, aproveitemos para nos reunir ao redor do lume e escuitar o conto d’A Velhinha Velha, escrito por Vicente Risco, inspirado na Caitlín Ní Uallacháin de Yeats, e publicado na revista Céltiga no ano 1925.

O conto apresenta uma evidente leitura política: um povo alienado que nega auxílio a um país que precisa da sua independência, sendo a Velha a própria Galiza. Por outro lado, é possível fazermos uma leitura subjacente que ecoa com os mitos deste tempo de defuntos: a Velha, Cailleach, desperta do seu sono para pedir o tributo dos vivos para o Além e, perante a negativa, acaba por chamar os “gentis” (os mouros, os ancestrais esquecidos, os feéricos). Como é o “princípio duma história”, a partir daqui a especulação já é nossa. Interpretaremos que os chama para a acompanharem na procura do restabelecimento do justo equilíbrio, chama a Companha que dirigirá durante a Metade Escura do ano.

fotografia de Ton Van Vliet

A Velhinha Velha

princípio duma história

O escudeiro Pai Soares, que não fora na sua vida ao Santo André de Teixido, ergueu-se na sua cova e tomou caminho cara ao norte. Caminhando, caminhando, surgiu-lhe unha velhinha velha, branca como o luar, de luito vestida. Pai Soares fincou os joelhos no chão e beijou-lhe os pés.
‐ Por onde vais, Pai Soares?
‐ Longe, cara ao norte, ao Santo André de Teixido.
‐ Não entrarás no céu se lá não vais…
‐ Ides soinha e tristeira…
‐ Coroa podia eu levar na minha cabeça.
‐ Se tivéssedes filhos que a arrecadassem!
‐ Logo é certo que o mundo principia uma nova vida?
‐ Andam a quebrar as velhas madeiras.
‐ Também eu vou chamar os meus filhos…

E a velhinha velha colheu para a vila e chamou à porta dum seu filho que era advogado.
‐ Venho a que defendas o meu direito.
‐ Qual é, logo, o vosso direito?
‐ Houvo um tempo em que toda esta terra era minha, e os meus filhos também eram meus. Mas vinhérom os meus vizinhos e figérom-se donos dos meus eidos e mais assanhárom-se na minha honra. E trocárom de tal jeito os meus filhos que quase não os conheço nem eles me conhecem a mim. Tanto se imitam aos estranhos… E como tu és advogado quero que defendas o meu direito para que me fagam justiça e me volvam os meus filhos e me volvam o meu casar.
Respondeu o advogado:
‐ Senhora, eu não podo defender o vosso direito, que não está escrito em código algum. Eu não defendo mais que os direitos que estejam amparados pela lei.
E a velhinha velha marchou com a alma amargurada pela rua da orvalheira frienta.

E foi onde a um seu filho que era escritor.
‐ Onde a ti venho para que me defendas. Tu escreves nos papéis e os homens escuitam-te. Figérom-me injustiça e tirárom-me o que era meu. O meu filho advogado não me quer defender, porque o meu direito non está nos códigos. Mas tu hás falar por mim, para que a gente faga leis que me amparem.
Respodeu o escritor:
‐ Senhora, a gente dá-me tino porque lhe falo do que ela quer. Quem tem que ver com o vosso direito? Eu não vos podo defender, senão perderei o creto.

E a velhinha velha marchou com a alma amargurada pela rua chuvinhenta petar a outra porta.

E foi ver um seu filho que vinhera das Américas com muito dinheiro.
‐ Aqui venho onde a ti, porque os que me podiam defender, desbotárom-me. Não querem pedir para min justiça, nem vingar as aldrajes que me fazem. É que me veem é pobre. Mas tu darás-me os quartos e erguerei todos os meus filhos trás de mim.

Respondeu o americano:
‐ Senhora, eu tenho que atender com os meus quartos as obras que trago entre mãos: eu fago escolas, asilos e hospitais que pasmam a gente e pregoam o meu nome. Se eu vos der tino, quem me ia chamar grande filantropo?
E a velhinha velha fugiu da vila e começou a andar por uma corredoira enlamada.

Ao pé do caminho, atopou um dos seus filhos, que era labrego, a trabalhar num eido.
A velhinha velha falou-lhe:
‐ Eu tinha terras e já não as tenho; tinha filhos e os filhos deixam-me. Andei a pedir justiça, fechárom-me todas as portas…
O labrego escuitava mui atento, botado para adiante, apoiado com as duas mãos no legão.
A velhinha velha seguiu:
‐ Andei na vila a petar em todas as portas, de todas me botárom. Agora venho onde a ti, que me hás defender contra todos. Se tu quigeres, recobrarei as minhas terras, os meus filhos voltarão onde a mim e tornarei ser o que fum.
O labrego respondeu:
‐ Senhora, o que a você lhe passa, levar, leva-me lástima… Afelhas que me leva!… Mas neste mundo cada um governa a sua vida e procura do seu… Velaí está: se vinhesse un governo que quitasse os foros, que quitasse os caciques, que quitasse os trabucos…
E revolveu-se e seguiu sachando no eido.
A velhinha velha, magoada e tristeira foi andando, andando…

O escudeiro Pai Soares tornava da sua romagem em procura da sua campa na igreja da aldeia. No medio da gândara esquiva, atopou a velhinha velha, a carão duma pedra das que chamam pedras dos gentis. Estava a petar nela com um croio para acordar os que dormem debaixo o sono eterno…


Texto adaptado da versão disponibilizada na Fundación Vicente Risco.

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