plenilúnio de janeiro

Esta Lua Velha de janeiro chegou da mão da festa da Epifania do Senhor, popularmente conhecida como festa de Reis. Para celebrarmos este tempo de escuridade, trago-vos um conto do imenso Cunqueiro, escritor fundamental das nossas letras que soubo mostrar como ninguém um mundo mágico e real indistinguível da cosmovisão que opera na nossa cultura, numa linguagem popular e achegada à tradição oral. “O leigo de Viccino”, título do conto, dá contexto a uma procissão dos Três Reis que nos lembra, como não podia ser doutro jeito, a todas as comitivas espectrais que enchem o imaginário deste tempo de natal, não só pelo séquito em si próprio, mas também com o convite a participar nele e as suas consequências.

Fresco de Gozzoli na parede leste da Capella dei Magi, no Palazzo Medici de Florência

O leigo de Viccino

E vinha o pobre leigo levando diante dele o burro, que andava coxo de uns abcessos que se incharam na pata direita, e fazia a viagem pela selva de Micara, baixando ao seu convento franciscano, quando viu que por um largo caminho que se abriu em um repente no bosque, passava uma solene comitiva montada.

Criados levavam faróis acesos e um dianteiro tocava a flauta e dava o passo aos cavalos dos grandes senhores. O leigo pensou que ia o senhor duque de Mantua a uma voda, ou que chegava o Imperador transalpino, e queixou-se para si de ser tão tímido e medroso que não ousasse adiantar e tendê-la mão, que lhe caeriam nela umas moedas de ouro, e era boa, que telhariam o convento de Viccino, que chovia dentro como fora, e poderia mercar outro burro e uns socos chatolados. E quase que chorava o leigo. E apurando um algo o burro, que non lhe estourasse um abcesso, pudo achegar-se ao pano da cola, que é o que vai mirando se os dianteiros perdêrom cousa alguma, e colhe os chapéus que leva o vento, e perguntou-lhe se por acaso era um senhor duque ou um príncipe imperial o maior senhor daquela comitiva.

-São, dixo-lhe o pajem, três senhores iguais os que vão de viagem: são os senhores Melchior, Gaspar e Baltasar, que vão caminho de Belém adorar o Neno. Se quigeres vir connosco, há uma vaga vacante de porta-ferraduras.

O burro chegou ao convento e deu o parte ao superior. Ainda estão a aguardar em Viccino que volte o leigo e conte de primeira mão como foi em Belém a Adoração dos Senhores Reis ao Neno, quando lhe oferecêrom ouro, incenso e mirra.

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