plenilúnio de fevereiro

Já chega a Lua Velha e com ela mais uma oportunidade de resgatar uma estória. Há poucos dias que celebrámos a Candelória, o dia do amor na Galiza. Assim, morando eu na vila de Cunqueiro, não podo deixar de trazer nesta ocasião um dos meus poemas favoritos do autor: “Reconhecimento de Harold Godwinson”.

Haroldo II, filho de Goduíno, foi o derradeiro rei anglo-saxão da Inglaterra, morto na batalha de Hastings contra Guilherme o Conquistador em 1066, quem estabeleceria uma nova dinastia de origem franco-normanda e daria forma ao país que conhecemos hoje. No poema de inspiração histórica, Cunqueiro relata-nos o amor entre el-Rei e Edite Pescoço de Cisne. A composição, fortemente marcada por uma narração teatral, imbui-nos de cheio na terrível cena da separação dos amantes quando Edite se vê forçada a reconhecer o cadáver do rei morto em batalha. Os sinais da morte representados no poema não me deixam nunca de fascinar: a escuridade ctónica da terra e o mar que polui as descrições do espaço, a amante que quanto mais tece mais fica cega e a profecia del-Rei que di “envelheceremos juntos, pero tu mais lentamente”.


Reconhecimento de Harold Godwinson

Uma noite de cinza caiu sobre da terra,
as lanternas andavam soas por entre os mortos
e nas feridas do mais ferido de todos
Edith Swanehals punha a luz violeta dos seus olhos
por se aquele era Harold filho de Godwin
que ela amara tanto.
E aquele mesmo era
a boca pola que saia um fio de sangue
pousada na boca terrena duma toupeira.

Vinha de longe o canto da mar. Edith sentou-se
a carão do morto
e cum fio branco que tirou dos seus sonhares
começou a tecer un pequeno pano
pra tapar os olhos do Rei.

Escuitava-se a mar, e mais as folhas secas do bosque
aremuinhando nos caminhos entre os outeiros.
A derradeira carícia de Edith foi aquele calado tecer perto do morto,
e quando saía a lua
misturou fios azuis da luz da viageira cos seus
– as agulhas iam e vinham en silêncio
as mãos movendo-se coma quem anaina um neno
asegurando-se de que aquele morto era Harold
o mirar violeta de Edith adentrava-se mais e mais
nas escuras feridas,
reconhecendo o sangue do amante, e mais a morte.
Assim foi que Edith já estava cega
quando lhe preguntárom quem
entre aquelas sesenta dúzias de mortos
era Harold
– este, dixo sinalando, a tentas,
que fazia cantar os reisenhores nas noites de verão
quando me bicava e me dizia
– Swanehals, Colo de Cisne, envelheceremos juntos
pero tu mais lentamente.


NOTA SOBRE O TEXTO: o poema foi adaptado por mim, após cavilar sobre as licenças poéticas e de adaptação, para estabelecer um critério unificado com as escolhas linguísticas reitoras deste blogue. O original de Cunqueiro pode ser consultado na seguinte ligação.

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